- Vindo de uma formação em arquitetura, como tem sido este percurso artístico? E quais consideras os momentos chave, até aqui?
Sempre desenhei e pintei, tinha muita curiosidade com o mundo da arte e com ato de criar. A arquitetura surgiu mais tarde, como uma forma mais segura de me exprimir artisticamente e que acabou por me ensinar muitas práticas de organização e até estéticas, mas o movimento que me era mais automático era o do desenho e o da imagem. Sem dúvida o momento-chave foi quando comecei a partilhar os meus desenhos nas redes sociais. Passaram a ter uma autonomia que não tinham fechados num caderno, podiam arriscar-se a ser arte. Outro momento-chave terá sido deixar o meu trabalho enquanto arquiteto para me dedicar exclusivamente à minha prática artística. Está a ser um momento de descoberta e de expansão.
- O desenho e o traço são um elemento claramente distintivo na tua obra. O Desenho é-te inato? É uma exploração contínua? Como é esse processo?
Sim, posso considerar que o desenho é-me inato, sempre o fiz, mesmo sem ter a consciência do que o fazia. Há uma linha que une essa "exploração" no desenho. Para mim o desenvolvimento do traço e do desenho é uma espécie de autoconhecimento. Há um limar de arestas - de grafismos, de temas - que faz com que a mão que desenha se reconheça pelo traço. Acima de tudo, o desenho sempre foi uma ferramenta, como a escrita, a que recorria com facilidade. A partir do momento em que passa a ser uma ferramenta de expressão mais íntima é quando ganha a qualidade que hoje reconheço à minha prática.
- A tua obra tem uma expressão muito gráfica. De onde surge?
O facto de ter explorado muito o desenho digital reforça a ideia da expressão gráfica, mas sempre me senti atraído por expressões deste género, até anteriores aos meios digitais. Os recortes coloridos do final de vida de Matisse são um dos conjuntos de peças que mais me fascina pela sua expressividade e leveza. São também peças basilares na construção de uma linguagem de design gráfico porque reconfiguram a forma como representamos determinados objetos. De certa forma remetem-me até a expressões rupestres ou hieroglíficas. Essa simplicidade que aproxima um objeto ao seu simbolismo é algo que também me atrai e que procuro.
A arquitetura também é fundamentalmente gráfica. As plantas, cortes e detalhes mas também a clareza de representação que é necessária para comunicar uma ideia arquitetónica e que leva a uma depuração que adoro, como uma planta do Mies, um desenho de Corbusier ou do Siza. A ideia de cheio e vazio que é transversal à arquitetura, também a procuro nos meus quadros. Em algumas peças há uma bidimensionalidade que ganha profundidade, uma envolvente abstrata que ajuda a detalhar um corpo através dos seus vazios e transparências.
- Existe uma certa visão artística clássica greco romana na forma como vês o corpo humano?
Sim, principalmente numa fase mais tardia da produção clássica em que os corpos ganham muito dinamismo e movimento. O arquétipo do homem clássico é algo que me interessa. É uma aportação a um novo humanismo, a uma reconfiguração do homem e da masculinidade, até do sexo. Essa representação do corpo de forma natural é um dos meus maiores objetivos.
- Os teus trabalhos exploram muitas vezes a ideia de tensão. A tensão muscular do corpo, a tensão do movimento, a tensão sexual.
As representações figurativas mais satisfatórias sempre foram as que envolvem essa "tensão", desde Michelangelo a Paula Rego, essa tensão dá vida ao quadro e aproxima-me àquelas figuras, como se elas ganhassem uma história ou um tempo próprio. Talvez haja algum martírio nestas posições, mas é assim que se tornam heroicas. As minhas figuras foram-se tornando mais contorcidas, até mais tensas, porque é uma forma de se expressarem. A veracidade das posições ou o seu realismo nunca foi um dos meus objetivos e a tensão torna a imagem mais magnética.
- Também tens interesse pela temática da “natureza morta”, a representação de objetos. Sendo que tens uns quantos de eleição. Queres falar um pouco sobre isso?
Sinto curiosidade pela simbologia de determinados objetos e de como essa simbologia pode também ser transferida para a figura humana. Talvez por influência da arquitetura, sou fascinado por cadeiras, bancos, estruturas para nos sentarmos ou que interagem com o nosso corpo. Vejo neles uma bonita metáfora para vários símbolos como estabilidade, conforto, segurança. Acho interessante que um banco de três pernas seja mais estável que uma cadeira de quarto pernas. Nesta última exposição contrapunha um desenho de uma cadeira com outro de uma figura masculina que fazia uma ponte, em quatro apoios. Esta relação surrealista que liga o humano e o objeto é algo que me interessa explorar. O mobiliário acaba por ser um conjunto de peças que tem uma interação muito forte connosco e é direta a associação de emoções a este.
Se somos a origem da significação, acho interessante olhar para estes objetos como mais do que uma função, uma metáfora ou uma ideia.
- Tal como está presente nesta última exposição “Ideia de Homem”, tens vindo também a explorar novas técnicas, e novas escalas. A pintura assume-se agora técnica de eleição? Que caminhos pretendes explorar?
Esta fase em que me encontro permite-me estar mais disponível para novas experiências, para aprofundar mais a preparação de cada peça. Se os meus desenhos sempre foram uma ligação direta ao meu pensamento, sempre tive como objetivo ampliar esse espaço e emergir-me nele. A pintura permite-me, com facilidade, aumentar a escala do meu trabalho e, apesar de continuar a olhar para as minhas peças como desenhos, a forma como nos relacionamentos com estas peças muda completamente. Apesar do mais inato para mim ser o desenho, não me quero fechar a outros meios, como a escultura ou vídeo, mas ainda são ideias no papel e ali vale tudo.
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Fotos 1,3,5,6 by José Limbert