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"A primeira pintura que fiz foi num pequeno azulejo branco de uma planta azul."
O seu nome surge através de deambulações dadaístas, sente que o nome de cada ser esconde múltiplas identidades e formas de ser/fazer. Não sabe se a pintura é a sua vocação, mas o seu talento e sensibilidade são evidentes. Estivemos à conversa com o Albert Tannat cuja arte habita as nossas paredes assim como os nossos corações.
Numa sociedade que vive em constante exposição, é bastante claro que gostas de permanecer o mais discreto possível, optando até pela utilização de um heterónimo, Albert Tannat. Essa abordagem reflete uma personalidade tímida e reservada, ou acreditas que a única coisa que deve ser relevante é o trabalho que desenvolves?
Albert Tannat nasce de deambulações e experimentações dadaístas durante a pandemia que nos afectou. No momento, estava a trabalhar nos Alpes Suíços e por ter havido uma gastroenterite de uma das trabalhadoras, o chefe decidiu que todos/as os/as empregados/as deveriam marcar nas suas garrafas de água o seu nome para que o vírus não se propagasse. Nesse momento, comecei a recriar nomes para identificar as minhas garrafas. Por vezes, RA. Outras, Alberto, e até RA-BERTO, assim como, desenhos como forma de identificação. A partir de diversas razões, cheguei ao nome Albert Tannat. No momento em que volto a casa e surge a oportunidade de fazer uma exposição de pintura começo a usar este heterónimo. Na verdade, sempre gostei de usar outros nomes para apresentar e desenvolver o meu trabalho, tanto a nível sonoro como plástico. Sinto sempre que o nome de cada ser esconde múltiplas identidades e formas de ser/fazer.
Quando te apercebeste que a pintura era a tua vocação?
Não sei se a pintura é a minha vocação! Pinto desde muito cedo como todos nós. Lembro-me de quando era pequeno fazer imensos esboços de desenhos animados e de oferecer à minha mãe. Gostaria de ver isso!!!! (risos) A primeira pintura que fiz foi num pequeno azulejo branco de uma planta azul. Mas comecei a pintar mais 'seriamente' durante a minha licenciatura em Filosofia em Lisboa. Sempre desenhei, mas também sempre senti a necessidade de me expressar plasticamente em suportes maiores. Acho que a pintura vem em parte dessa necessidade. No entanto, sempre fui chutado pelos centros de aprendizagem de arte. As instituições sempre me quiseram ver longe e, em parte, acho que esse afastamento fez-me aproximar profundamente da arte e da pintura em específico.
Desde a ideia à concretização da mesma, como funciona o teu processo criativo?
Em geral faço a grade (estrutura em madeira da tela) e estico a tela sobre a grade. É mesmo raro ter uma ideia específica do que vou pintar sobre uma tela. Existe um símbolo, uma imagem que está aí e que faz sentido ser materializada, mas é mesmo no processo da cor que a forma se mostra. Trabalho sobretudo com cor. Por vezes pinto um fundo de três cores diferentes antes de chegar à cor certa para começar uma peça. Uma cor que funciona numa tela pequena por vezes não funciona numa tela grande. O meu processo pictórico é sempre muito espontâneo e as imagens vão surgindo e surpreendem! Por vezes surpreendem de tal forma que não consigo dormir com aquela imagem que está materializada. As cores juntam-se e as formas nascem. Há imagens que estão tão presentes que se repetem e se transformam noutras. Muitas vezes um pequeno pormenor da última pintura acabada é um mote para a nova.
Como surgem as ideias para as tuas séries de pinturas?
Costumo trabalhar com pinturas em série porque as imagens são muito fortes. A repetição faz parte do trabalho diário e da pintura também. Pequenas alterações num tema por vezes fazem de uma pintura, uma pintura excecional, por vezes não. Mas geralmente fixo-me num determinado assunto. As imagens que materializo são quase como uma muleta da lembrança. Fazem-me recordar momentos passados, vistos, vividos e fazem-me voltar a vivê-los de maneiras diferentes. Repito até à exaustão! Repito até não fazer sentido, porque vivo-as de outras formas. Muitas coisas surgem do dia-a-dia, das tabernas, por exemplo. Lembro-me de quando estava em residência em Portimão e atravessava diariamente a ponte para ir a uma roulotte de pescadores beber o meu copo de vinho da tarde. O ambiente era louco! Cheiro a peixe, pescadores vindos do mar que passavam a tarde a tagarelar nesse sítio insólito. Eu queria muito fazer uma pintura daquilo. Poderia ter realizado um retrato de um pescador ou do dono do tasco, mas não conseguiria lidar com isso. Frequentava diariamente aquele sítio para encontrar a imagem, mas ela não aparecia. Bebia, desenhava! Chegava ao atelier e nada! Voltei a repetir o processo até que um dos dias chego ao atelier e abro um livro de Matisse. Encontro a famosa pintura 'O jovem marinheiro'. "Aí está, tudo claro!" Não era um jovem marinheiro, mas um jovem pescador. Tinha vivido aquela pintura num saco de sardinhas. Daí surge a pintura ' Carlos, o pescador', alterada, mastigada e muito vivida. Outras ideias surgem de imagens que tenho de infância e que ficaram cristalizadas na minha cabeça. Quando pequeno a minha mãe deixava-me tardes inteiras nos cavalos de carrossel das Fontaínhas enquanto ia para o café com as suas amigas. Ela dizia "Deixe o rapaz andar no cavalinho até eu voltar!!!". Daqui surgiu a série em que tenho trabalhado "Flying Horses Carousel".
Para além das telas, no teu trabalho existem também composições em tecido e pintura sobre objetos. Estes outros materiais surgem como complementos ao teu trabalho em tela, ou são escolhidos por serem o meio ideal para a expressão de uma ideia.
O meu foco primário é a pintura. Esses objectos de que falas saltam da pintura. Eles não poderiam ser a pintura, apesar de serem parte da pintura. São pequenos símbolos que ganham uma dimensão externa à tela. É claro que no meu entender diferentes materiais têm potencialidades diferentes. Eu nunca representaria aquilo que represento numa pintura num tecido ou numa escultura. Cada material tem a sua especificidade e o meu interesse está em explorar essas características. Não é que cada material seja ideal para expressar uma ideia, mas torna-se ideal.
Se apenas pudesses pintar com um material qual escolherias?
Pinto com o material que quero. Gosto do pincel, gosto da tinta (risos). Podia pintar de luvas, mas gosto da sujidade da tinta, do pastel, do spray, da matéria. Tenho um fato macaco para não sujar a minha roupa, mas, por vezes, não há tempo para vesti-lo. Há uma exigência tão grande em acrescentar um pouco de tinta que o fato fica para trás.